Carta sobre o WNBR 2008
Declaração dos participantes da I Pedalada Pelada de São Paulo
Nota: para ver notícias, relatos, fotos e vídeos da WNBR 2008 em São Paulo acesse a página wiki do evento
Motivações
A I Pedalada Pelada de São Paulo, ou World Naked Bike Ride (WNBR), ocorreu no dia 14 de junho de 2008. Esta foi a primeira edição do evento realizada no Brasil, nos mesmos moldes das ações que acontecem em diversas cidades do mundo com o apoio da população em geral e do poder público.
Nus é como nos sentimos por ter que disputar espaço nas ruas de São Paulo, em meio à violência gerada pelo stress dos motoristas parados em congestionamentos, confinados em máquinas poluentes de vidros escuros. Diariamente essa situação coloca em risco a vida de ciclistas, de pedestres e até de outros motoristas.
Pelados, os ciclistas pretendem chamar a atenção para a exposição indecente à poluição dos carros, para a morte dos espaços públicos tomados por esses veículos e principalmente, para sua fragilidade diante das poderosas máquinas motorizadas, muitas vezes guiadas por pessoas agressivas que não respeitam a bicicleta como o veículo que é, previsto no artigo 96 do Código de Trânsito Brasileiro.
O CTB ainda prevê que, na ausência de local específico para o deslocamento, a bicicleta deve ocupar os bordos da via (direita ou esquerda) com preferência sobre os veículos automotores (artigo 58) e obriga os veículos a guardarem uma distância lateral de um metro e meio ao ultrapassarem uma bicicleta (artigo 201).
Mas a maioria dos motoristas desconhece ou simplesmente desrespeita essas regras, e se recusa a compartilhar as ruas com os ciclistas. E isto acontece com a conivência do poder público, que não pune as infrações cometidas por esses motoristas contra nós.
Somos constantemente ignorados, somente nus somos vistos?
A concentração na praça e o assédio da mídia
Na Pedalada Pelada cada ciclista poderia participar vestido (ou não) da maneira como se sentisse mais confortável. O lema era "tão nu quanto você ousar". A nudez nunca foi uma imposição nem uma obrigatoriedade, mas a expectativa gerada durante a semana levou à concentração na Praça do Ciclista um número enorme de curiosos, dezenas de policiais, jornalistas, cinegrafistas e fotógrafos da grande imprensa.
Mais de quatrocentas pessoas estavam lá para pedalar. Os demais queriam ver e registrar a nudez prometida. Especialmente a nudez feminina. Foi Renata Falzoni, ciclista de longa data e avó, quem ousou primeiro e logo na largada da pedalada ficou completamente nua.
Como ela, outras mulheres tiveram que corajosamente suportar o assédio invasivo de muitos "jornalistas", ávidos por erotizar e tornar públicos seus corpos em busca de audiência. As câmeras saltaram sobre elas, acompanhadas muitas vezes por comentários machistas de conotação sexual. Esse comportamento lamentável fez com que muitas deixassem de se despir.
Apesar disso, no meio da confusão, ciclistas pintaram os corpos uns dos outros com tintas coloridas. Frases divertidas ou de protesto, desenhos surgindo na pele, todos se enfeitavam para a pedalada, e para trazer um pouco de alegria para a cidade cinza coberta de asfalto.
Celebração da nudez não sexualizada e não comercializada. Liberdade de expressão e manifestação.
Iniciada a pedalada na Avenida Paulista, à medida que os ciclistas se distanciavam da praça foram tomando coragem de expor mais seus corpos. Seguindo o lema naturista, puderam celebrar sua nudez não sexualizada e não comercializada, muito diferente da exposição sexual dos corpos padronizados tão comum nas emissoras de TV e revistas.
Centenas de pessoas puderam expor por alguns instantes seus corpos "imperfeitos", gorduras a mais ou a menos, celulites e estrias livres da ditadura estética vigente que causa distúrbios alimentares, complexos e depressões.
A alegria desse momento foi tão contagiante que provocou aplausos da "platéia". Pessoas que caminhavam pelas ruas, passavam dentro de ônibus ou automóveis, riam, assobiavam, apontavam a massa de pelados que pedalava. Câmeras e mais câmeras de celulares foram apontadas para a avenida.
E a prova máxima de civilidade foi dada pelos próprios ciclistas nus (ou seminus), que abriram mão de assédios e piadas de mau gosto para compartilhar respeitosamente um momento de pura liberdade de expressão e manifestação.
Criminalização da nudez, neutralização da massa e violência policial
Infelizmente, aprendemos com nossa ação que a nudez que se manifesta livremente a favor da vida é criminalizada, enquanto a nudez explorada, sexualizada e comercializada nos carnavais, novelas e revistas é permitida.
Durante o trajeto, um comandante da polícia militar deixou claro a quem ele pensou ser o organizador da ação, que o nu frontal não seria tolerado, somente corpos pintados como no carnaval. Apesar das dezenas de ciclistas completamente nus, André Pasqualini acabou sendo escolhido como o "bode expiatório" e foi levado nu para a delegacia, como forma de neutralizar nossa ação.
Alguns ciclistas tentaram se manifestar contra a prisão e foram agredidos com pontapés e gás de pimenta, como mostra diversas fotos e vídeos publicados pela grande mídia (matéria no Estadão) e pela mídia independente. Como sempre é feito em manifestações ciclo ativistas, os ciclistas ergueram suas bicicletas no ar. Foram absurdamente acusados de usá-las como arma.
O comandante da operação declarou diante das câmeras que fez o que estava planejado, prendeu o "líder" da ação para acabar com a manifestação. A lógica estava errada, já que não existem líderes ou organizadores da Pedalada dos Pelados, mas a tática deu certo, porque seja lá quem tivesse sido detido, nós não deixaríamos de apoiá-lo.
Com a prisão de um dos seus participantes, a massa perdeu um pouco em alegria e parte dela seguiu escoltada pela CET rumo ao 78º DP na Rua Estados Unidos. A festa continuou ali, aos gritos de "Ô seu delegado, libera o pelado!".
A massa segue feliz e orgulhosa
Confirmado que o participante preso seria liberado, a massa seguiu de volta a Praça do Ciclista. Cruzou a Oscar Freire e subiu a Rua Augusta em ritmo de festa, feliz e orgulhosa, humanizando o engarrafamento de quem descia num coro bem-humorado de "Não fique aí parado! Vem pedalar pelado!" ou "Carro parado é coisa do passado! A moda agora é pedalar pelado!".
A população nas ruas de São Paulo saudou a massa em festa durante todo o trajeto. A cidade, a Avenida Paulista, já acostumadas com a gigantesca parada do Orgulho GLBT, sentiram a alegria de ver o desfile das bicicletas e seus ciclistas nus e seminus, a despeito das leis antiquadas que (ainda) vigoram nesse país.
Mas podem se preparar, a festa será ainda maior em 2009.
Assinado,
Participantes da I Pedalada Pelada de São Paulo 2008 (World Naked Bike Ride São Paulo 2008)